Para a presidente da Anprotec, Francilene Garcia, as incubadoras precisam selecionar melhor negócios e apostar naqueles que têm maior potencial de se tornar grandes
Francilene Garcia, presidente da Anprotec (Foto: Fabiana Pires / Divulgação) |
Neste ano, o Seminário Nacional de Parques Tecnológicos e Incubadoras de Empresas comemorou um data importante. Em sua 24ª edição, realizada em Belém (PA), o evento marca 30 anos desde que a primeira lei de incentivo aos parques tecnológicos foi criada. De lá para cá, o cenário empreendedor brasileiro mudou um bocado – e os ambientes das incubadoras e parques tiveram de mudar também. “O espaço físico deixou de ser o principal atrativo. Hoje, tudo funciona na nuvem, e o empreendedor pode trabalhar e ter seu negócio em qualquer lugar. Tivemos de nos adaptar e oferecer outros estímulos”, diz Francilene Garcia, presidente da Anprotec (Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadoras), realizadora do evento junto com o Sebrae.
O desafio, no entanto, continua o mesmo: fazer com que os produtos e os processos criados nesse cenário estejam alinhados com as demandas do mercado. “Precisamos estar num crescente de gerar soluções que resolvam produtos reais. Para isso, temos de selecionar as melhores empresas e dar as melhores condições para elas crescerem”, afirma. A meta de Francilene é ambiciosa: “40% do PIB da China é gerado por negócios que estão ou saíram de incubadoras e parques. Queremos olhar para os próximos 30 anos e ver que somos responsáveis por uma parte significante do PIB brasileiro”.
Confira abaixo a entrevista exclusiva da presidente Anprotec a Pequenas Empresas & Grandes Negócios.
Nos últimos 30 anos, o perfil do empreendedor brasileiro se alterou muito. Quais foram as principais mudanças a que as incubadoras tiveram de se adaptar?
Para começar, o empreendedor atual não demanda mais um espaço físico diferenciado das incubadoras. Nos anos 1980, a importância desse espaço era muito grande, o negócio dependia disso para funcionar. Hoje, a conectividade está na nuvem. Os espaços, então, passam a se tornar importantes para encontros e networking, mas não são mais críticos para o funcionamento do negócio. Outro ponto é que essas estruturas precisam facilitar o contato dos empreendedores com instituições que estimulem o desenvolvimento do negócio, como as universidades e os investidores. Nossas incubadoras tiveram de aprender a fazer isso. O empreendedor de hoje não pode mais esperar a chamada de um edital de recursos públicos das agências de fomento, ele precisa ter outras formas de alimentar seu negócio financeiramente – como o capital semente, que não tínhamos há 30 anos. Além disso, atualmente, é importantíssimo que tenhamos caminhos mais fáceis para a internacionalização dos negócios desenvolvidos.
Por que a internacionalização é uma das prioridades e o que tem sido feito nesse sentido?
Mesmo que uma empresa não queira vender para fora, ela tem de estar inserida numa plataforma de internacionalização para saber lidar com meus competidores no mercado local. A cada ano, a gente procura ambientes de referência e ações internacionais que podemos trazer para cá. Em 2014, realizamos dez missões internacionais, com seis empresas.
A senhora pode exemplificar um dos resultados dessa missão?
Trouxemos para cá o conceito de inovação cruzada, que está sendo muito usado na Espanha e na Bélgica. Inovação cruzada é quando você analisa a cadeia de produção de um setor e passa a usar os mesmos processos em outro setor. Por exemplo, analisar como podemos levar alguns dos processos de produção da indústria de couro e calçado para outras áreas da moda. É algo que transborda de um segmento para outro. Nesse caso, as incubadoras seriam os agentes promotores dessas mudanças tecnológicas. Ainda neste ano, vamos escolher cinco projetos piloto para criar uma operação concreta em 2015.
Quais são os principais desafios para a inovação hoje?
O maior desafio é o mesmo de 30 anos atrás: conseguir fazer com que os centros de produção e desenvolvimento tenham um alinhamento maior com as demandas de mercado. De nada adianta gerar empresas com doutores e mestres se essas empresas não estiverem criando produtos que o mercado demanda. Não adianta falar que o percentual de produção científica aumentou se o nosso número de patentes ainda é muito baixo. O número de patentes é um termômetro que mede o quanto do conhecimento desenvolvido em universidades e centros de pesquisa está sendo aplicado na indústria e nos setores produtivos. Precisamos estar num crescente de gerar produtos e processos que resolvam demandas reais. Por isso, temos de selecionar as melhores empresas e dar melhores condições de elas crescerem.
Para fazer isso, é melhor aumentar o número de empresas incubadas ou mudar a maneira de investir nas que já estão incubadas?
É preciso investir de um jeito diferente nas que já deram certo. Não é preciso apostar em uma centena de negócios, apostando que um vingue. Temos de investir em um conjunto menor das que têm maiores chances de dar certo. Queremos sair do “bonsai” dos pequenos negócios e criar uma floresta de empresas maiores, que gerem impacto no PIB. Na China, as empresas em parques tecnológicos são responsáveis por 40% do PIB. Tudo isso por conta de uma política sistemática de investimento em negócios que deram certo. Queremos olhar para as próximas três décadas e ver isso no Brasil.
O que deve mudar no ano que vem, com a nova lei da micro e pequena empresa, a universalização do Simples?
Devemos ter novos entrantes no ambiente e temos de estar preparados para isso. Será uma enxurrada de profissionais liberais que abrirão sua própria empresa e passarão a circular ao redor das incubadoras. É uma mudança que teremos de acompanhar.
E quanto às eleições? O que a Anprotec espera dos principais candidatos?
Esperamos que os ambientes de inovação possam ser cada vez mais considerados plataformas centrais de transformação desse país. Enxergamos que, para o Brasil deixar de ser um mero exportador de commodities e se tornar um país que gera tecnologia, é preciso que essa estratégia passe pelos ambientes de inovação.
Não queremos ver retrocessos no que já conseguimos. Pelo contrário, queremos avançar. Queremos avançar na legislação, em questões que ainda estão emperradas, como é o caso do regime de compras. O Brasil precisa comprar tecnologia de suas empresas também. Além disso, queremos avançar na irrigação dos sistemas de fomento, que hoje são descentralizados, com o governo federal colocando uma parte do investimento, e o estado, outra. Sobretudo, não queremos que o valor desses recursos diminua, mas aumente e que se tornem cada vez mais impactantes.
Fonte: Pequenas Empresas & Grandes Negócios