segunda-feira, 22 de abril de 2019

'Se o mercado mudou tem que ter inovação', diz Francisco Saboya, presidente do Sebrae/PE

Foto: Rodrigo Moreira/Divulgação
Conhecido por promover a ascensão do Porto Digital, Francisco Saboya trocou o  universo das startups pelos negócios tradicionais. À frente do Sebrae/PE,  desde o início do ano, o executivo diz que levará mais inovações aos produtos e processos da instituição contribuindo para que os negócios tradicionais se tornem mais condizentes com a nova realidade do público consumidor, que é cada vez mais digital. “Estive em vários lugares. De Pernambuco conheci o mundo e trouxe para cá muito do que eu vi lá fora. Eu sou obcecado pelas coisas acontecerem e crio o ambiente como um todo. Preciso transbordar competências e integrar com outras realidades para dar um salto. Foi o que me motivou a mudar de casa. Quando fiz dez anos de Porto Digital, me bateu uma angústia. Porque eu achava que minha contribuição era marginalmente decrescente. Por isso, aceitei o novo desafio e aqui estou”, contou em entrevista exclusiva ao Diario de Pernambuco.

Qual o maior desafio de estar à frente do Sebrae?
Eu não domino a instituição Sebrae, mas a área de empreendedorismo, sim. Eu me dedico a um tipo especial de empreendedorismo, que é o inovador. Dediquei minha vida inteira, inclusive como empreendedor, porque fui durante 20 anos empreendedor na área de software e consultoria. Então é um tema muito familiar. O que obviamente preciso é de mais tempo. É entender as demandas internas, as especificidades do Sebrae, da instituição Sebrae e também um pouco mais dos negócios tradicionais.No Porto Digital, eu lidava com negócios digitais cujos clientes são negócios tradicionais. Agora, o público-alvo são os tradicionais junto aos quais a gente pretende introduzir doses generosas de componentes digitais para que possam se aproximar e não se distanciar dos clientes.

Isso é possível?
Precisamos estimular uma reflexão interna e novas práticas que ajudem o Sebrae a mudar suas estratégias e os seus produtos e conteúdos para contribuir para os pequenos negócios se reaproximarem ou não perderem a conexão com seu consumidor. Nos dias de hoje, a coisa que mais muda é o comportamento dos consumidores no mercado. As grandes ondas de inovação, elas não são apenas momentos em que se introduzem novas tecnologias. As grandes ondas de inovação, e vivemos uma delas, mudam o comportamento dos agentes do mercado. Inovação muda comportamento. O que vivemos hoje é uma onda de inovação, lastreada pelo digital, que tem mudado o comportamento dos agentes, em especial consumidores e produtores. Só que quem muda mais e mais rapidamente são os consumidores. Eu brinco sempre dizendo: os consumidores são leigos digitais e os fornecedores, tartarugas analógicas. Isso significa que muito rapidamente os consumidores têm comportamentos mais digitais. O digital está aí e transformou a forma de comprar.

Como o Sebrae pode ajudar nesse processo de transformação?
O principal drama do pequeno não é controle de caixa, acesso a crédito… Isso são problemas reais, mas a principal questão é que ele está se distanciando do cliente, perdendo clientes. Se entendemos que a razão disso é um déficit digital em suas estratégias, o que temos que fazer é endereçar este problema dele, que é da distância entre ele e seu consumidor cada vez mais digital, oferecendo conteúdos e produtos cada vez mais impregnados dessa racionalidade digital, dessa compreensão do problema.

Então, qual será a aposta do Sebrae?
Estamos mudando a carteira de produtos. Tem um bocado de produtos sendo desenvolvidos. Esses produtos endereçam essas questões e não as convencionais (e mesmo as convencionais continuam existindo). Quando fala de transformação digital para maior parte das pessoas parece tecnologia. Mas, o que falamos é  de estratégia e cultura. O problema do Sr. Antonio, que tem uma mercearia no Bongi, não é tecnologia. É a falta de uma estratégia de negócio que o mantenha integrado ao mundo digital. Nosso desafio, portanto, é integrar esses dois universos formando um só. Sr. Antonio vai continuar vendendo comidas e coisas parecidas no mercadinho dele no Bongi, mas ele só tem uma chance de continuar vendendo: se tiver uma estratégia digital de negócios. Aí o Sebrae entra. Os produtos do Sebrae vão ser impregnados desse DNA digital. A nossa aposta é que ao consumir os produtos do Sebrae, ele está herdando esse DNA digital e não precisamos dizer isso a ela. Se ele não tiver uma marca digital ele vai morrer. Com uma plataforma digital ele terá mais chance.

Em outras palavras, você diz que a inovação muda o modelo de negócio, é isso?
Modelo de negócio é uma palavra muito complexa. Temos uma cartela de produtos, estratégia de venda formulada para que ele adquira esses produtos na crença de que ao fazê-lo ele está incorporando no digital. Isso que estamos fazendo aqui no Sebrae. Fora isso, as estratégias internas. Estamos com 70 pessoas que até setembro fazem imersão no C.E.S.A.R sobre gestão de negócios em área digital. Como nossa casa é formada com um corpo técnico mais tradicional o que estamos fazendo é um programa de qualificação e essas pessoas serão multiplicadoras. Formaremos times de inovação que vão trabalhar na maneira start up. Estarão distribuídos em todas as áreas da empresa e cada time direciona uma área. Vamos listar e hierarquizar 30 problemas e as pessoas qualificadas vão liderar e direcionar a solução do problema com tecnologia. Serão times de pessoas que passaram por um programa de aquisição de novo repertório e terão oportunidade de exercitar esse aprendizado na prática cotidiana em cima de um problema, que é o problema principal, resultando como um subproblema: a mudança do comportamento da instituição. A cultura muda quando temos novos repertórios e quando você exercita a prática e começa a se dar com base a um conjunto novo de imersão. Após a imersão, terão obrigação de inovar.

E aí esses que participaram da imersão serão multiplicadores?
É claro. Estaremos com pelo menos um terço do corpo técnico da casa tendo passado por um programa de requalificação teórica e vivenciado práticas novas. E as antigas eles continuarão fazendo, mas quando tiver 30 soluções inovadoras, você terá predominantemente práticas inovadoras. O que me interessa é, no fundo, conhecer melhor o consumidor porque o meu foco é o pequeno negócio, mas só posso ajudá-lo se eu conhecer o negócio dele para poder modelar produtos. E daqui a quatro anos teremos uma carteira de produtos e contratos com uma carteira mais conectada com a realidade. Não trabalhamos com fidelização de clientes, temos que trazê-lo para dentro da plataforma.

Inovação é tendência de mercado em todas áreas?
Negócio é feito de mercado e no mercado tem sua excelência o consumidor. Se esse cara está mudando, tem que ter inovação em toda a cadeia. Se o consumidor está mudando a golpes de digital, toda a cadeia tem que mudar, senão fica um discurso esquizofrênico. Então, como se diz, vive-se a era da inovação. Agora passamos pelos serviços de base digital. Vamos passar pelos serviços, produzir em menos tempo e mais eficiente. Na sociedade da inovação, a informação substitui os estoques. Então é muito mais fluxo de informações do que em fluxo de coisas. A informação substitui coisas físicas porque parte expressiva do que você necessitava tinha que ser exibida como forma de algo. Exemplo: você tinha uma sapataria que tinha um estoque enorme de sapatos. Eu tinha um componente físico. Mas na era da informação e das tecnologias digitais, eu posso ter uma loja conceito, onde dispositivos me mostrem todos os modelos sem eu ter nenhum na loja e ainda tenho artefatos que você se vê na passarela usando os modelos. Então, informação substitui os itens.

Você tem a cautela em dizer que irá realizar uma transformação?
Tenho que ter cautela de quem está chegando até por uma questão de convicção. Eu não tenho ninguém de informática na minha equipe. São mais de 80 pessoas no Porto Digital e não tem ninguém de tecnologia. Isso porque quem tem que entender de tecnologia da informação são as empresas do porto digital. Nós temos que entender de gestão de ambientes de inovação. Então eu tenho essa cautela no Sebrae também. Espero aprender mais para dialogar melhor com esses pequenos empreendedores. Eu me especializei em gerir ambientes de negócios de inovação.

E como foi aceitar esse desafio?
Eu só aceitei com uma condição: vim de uma experiência recente e me preparei para trabalhar com a gestão de um ambiente com inovação. Como a inovação está em todo lugar, se você me der autonomia para, seja no Porto Digital, que é um ambiente de inovação, seja no Sebrae ou na Embrapa… Eu topo. Eu gosto de ser desafiado e sei fazer uma coisa que é desenvolver e gerenciar ambientes de inovação. Foi essa missão que o presidente do Sebrae me deu: introduzir mais inovação, em especial inovação no campo digital. Eu só sei trabalhar em um campo onde a inovação seja o diferencial.

Do Diario de PE