A invasão antecipada de importados e produtos típicos das festas de fim de ano nas gôndolas tem também um componente emocional para o brasileiro. Para mudar o calendário das compras, o varejo conta com ingredientes como a vontade de passar as festas de fim de ano com a família após mais de um ano e meio de pandemia.
Carlos Eduardo de Freitas, conselheiro do Conselho Regional de Economia do DF e consultor econômico independente, explica que, apesar do cenário de instabilidade, o fim de ano pode, sim, ser bom para o comércio e para as vendas. “Neste ano, após o choque da pandemia — quando o Produto Interno Bruto caiu 4% —, a economia do país teve novo choque externo. De um lado, pela subida explosiva do preço do petróleo no mercado internacional. De outro, a crise hídrica no Brasil e as novas ondas da covid-19.”
Segundo o economista, os fatores citados empobreceram a população. “Sentimos isso por meio de uma inflação de custos”, exemplifica. “No entanto, dois componentes do triplo choque de custos — pandemia e crise hídrica — estão indo embora. Fica, então, a questão do petróleo, que pode subir um pouco mais devido ao inverno”, avalia.
Em relação às compras de fim de ano, o especialista defende que a demanda reprimida contribui para o aumento das vendas, ainda que discreto. Além disso, acredita que não há manobras para driblar a carestia nos preços. “Como disse, essa carestia não é, ao menos por enquanto, o velho dragão, porque não ganhou vida própria até o momento. A subida de juros do Banco Central tem sido e será importante para travar esse processo”, pontua.
Expectativa
Karoline Rosa Ferreira, dona da loja virtual Graciosas Moda, conta que suas expectativas são boas para o Natal, “mesmo sabendo que o brasileiro tem sentido os aumentos no bolso”. “Meu ramo é de moda feminina, geralmente as mulheres gostam de se vestir bem nas festas de fim de ano”, aposta. A empresária diz que muitas empresas tiveram que recorrer a internet em razão da quarentena, no ano passado, e que isso ainda tem ajudado muito os empreendedores.
Ela conta que, no ano passado, apesar da pandemia, vendeu muito bem, mas que ainda estava começando o negócio. “Tenho a esperança de que esse ano seja melhor. Porém, não posso esquecer que estamos em meio a uma crise, por isso, temos que esperar também o lado negativo. Eu sinto que as pessoas não estão comprando tudo o que veem pela frente, estão se segurando mais, por conta do aumento das coisas. E acaba que não sobra tanto dinheiro”, afirma.
Marcello Lopes, chef e empresário do Italianíssimo e do Blend Boucherie, conta que abriu os restaurantes em meio à pandemia e que foi um desafio muito grande. “Reformamos, investimos no delivery e agora, com a vacinação da população, as coisas estão melhorando. O movimento está bem melhor”, avalia.
Ele aposta em preços especiais para atrair clientes para as confraternizações. “Vamos focar em pacotes e promoções para se reunirem com segurança, já que tem quase dois anos que as pessoas não se reúnem para celebrar as conquistas. Também esperamos que, neste fim de ano e em 2022, nosso setor consiga voltar a gerar mais empregos e se recupere 100%”, diz.
Eula Silva, lojista no Brasil Center Shopping, em Valparaíso, também está otimista em relação às vendas de fim de ano. “Com o avanço da vacinação, percebemos um aumento de fluxo na empresa, desencadeando, também, o retorno das atividades da população. Então, nossos lojistas estão preparando o estoque e novidades de produtos, além de uma comunicação mais personalizada com os clientes”, afirma.
Apesar dos planos, ela pondera: “A economia não retornou aos patamares desejados, mas sabemos que o cenário pós-pandemia não seria fácil. Ainda assim, é um momento que traz boas perspectivas no comércio varejista para 2021 e 2022”.
Desemprego
Apesar de leve queda, o desemprego pode estragar os planos de fim de ano de muitas famílias. A taxa de desocupação recuou para 13,7% no trimestre fechado em julho, uma redução de 1 ponto percentual em relação ao período de três meses encerrado em abril. A melhora foi constatada pela Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio Contínua (Pnad Contínua), divulgada pelo Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE). No entanto, ainda há 14,1 milhões de pessoas em busca de um trabalho no país.
A Pnad mostra que houve um aumento no emprego com carteira assinada, no setor privado, mas o que mais avançou foram os postos de trabalho informais, com a manutenção da expansão do trabalho por conta própria sem CNPJ e do emprego sem carteira no setor privado. Essa combinação fez a taxa de informalidade subir dos 39,8% do trimestre móvel anterior para 40,8%, no trimestre encerrado em julho.
“Ainda é uma situação de desemprego muito elevado, inflação alta, evidentemente isso afeta os consumidores de forma heterogênea. Os consumidores de renda mais baixa, de até dois salários-mínimos, vão sofrer mais, porém há aqueles consumidores que viram seu poder aquisitivo crescer nesta pandemia. Isso é o efeito das desigualdades, então, resguardar-se ou não depende da situação de cada consumidor”, comenta o mestre em economia Benito Salomão. Para ele, o varejo está otimista porque há o 13º, e o Natal sempre representa de 20% a 25% do valor do varejo. “Ele realmente está bem otimista, mas não será um Natal de grandes vendas”.
A inflação disparou em setembro e registrou alta de 1,14%, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), divulgado em setembro, pelo IBGE. Foi a maior taxa para o mês nos últimos 27 anos, ou seja, desde o início do Plano Real, em 1994. Com esse resultado, o indicador, que é considerado uma prévia da inflação oficial (o IPCA), mostra elevação de 7,02% no ano, com acúmulo de alta de 10,05% nos últimos 12 meses.
Ainda de acordo com o IBGE, oito dos nove grupos de produtos e serviços registraram alta em setembro. O setor de habitação, que vinha liderando a pressão inflacionária em agosto devido à energia elétrica, teve impacto de 0,25% no mês, ficando atrás do grupo de alimentação e bebidas (com impacto de 0,27% no índice) e do grupo de transportes, que foi o que mais puxou a alta, correspondendo a 0,46% do total de 1,14% registrado.
O aumento em transportes, segundo o IBGE, foi de 2,22%, influenciado pelo reajuste de preços dos combustíveis, que acelerou o ritmo de 2,02% para 3% no período observado. Com alta de 2,85% ante agosto, a gasolina é a grande vilã da inflação, tomando o posto antes ocupado pela energia elétrica. “Foi o subitem que exerceu o maior impacto individual do mês no IPCA-15”, informou em nota o órgão. Nos últimos 12 meses, a gasolina subiu 39,05%.
Por: Correio Braziliense / Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil