quinta-feira, 3 de março de 2022

Guerra da Ucrânia empurra a inflação brasileira para cima

Foto: Ed Alves/CB

A guerra na Ucrânia vem afetando os preços das commodities negociadas no mercado global e acendeu o alerta para a volta das pressões inflacionárias, tanto dos alimentos quanto dos combustíveis — que têm pesos importantes nos indicadores que medem a carestia. Analistas salientam que, antes, previam um recuo maior no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) — que mede a inflação oficial — neste ano por conta da recente queda do dólar, que vem ocorrendo devido à forte entrada de capital estrangeiro em busca de ações baratas e dos juros de dois dígitos pagos pelos títulos públicos.


Depois da eclosão do conflito entre russos e ucranianos, esses mesmos analistas refazem os cálculos do IPCA para incluir a recente disparada dos preços. A alta dos preços das commodities pode se disseminar, elevando o custo do consumidor do pãozinho, do macarrão, da carne, além da gasolina e do diesel nas bombas, encarecendo o frete. Segundo eles, o IPCA deverá encerrar o ano acima de 6%, podendo ultrapassar 6,5%, além da mediana das previsões do mercado — em 5,6%.


As novas estimativas para o índice são preliminares, pois não se sabe a duração da guerra e o estrago que fará nos preços das commodities. O petróleo tipo Brent, negociado em Londres, encerrou o dia com alta de 7,58%, cotado a US$ 112,92 o barril. Em 12 meses, teve um salto superior a 80%.


Os preços do trigo, do milho e da soja também dispararam. De acordo com especialistas, a cada 10% de alta no preço do milho, por exemplo, há 2% de aumento do custo dos produtores de carne animal.


O economista André Braz, coordenador do núcleo de preços ao consumidor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), destacou que é cedo para saber o impacto no IPCA, mas reconheceu que "não haverá trégua na inflação neste ano". Por ora, ele eleva de 5,8% para 6,2% a previsão para a inflação oficial de 2022.


"É difícil estimar o impacto dessa guerra, porque o efeito é muito disseminado. Começa no preço do petróleo, passa para o combustível nas bombas, vai para toda a cadeia de derivados, como resinas plásticas, que afetam grande parte da indústria. Depois, temos que considerar os grãos: milho, soja e trigo dispararam e isso afeta a cadeia de alimentos em uma proporção que os analistas do mercado não haviam considerado", explicou Braz.


Cenário desafiador

Conforme disse, o cenário era desafiador por conta das eleições no Brasil, mas a guerra trouxe danos que serão difíceis de serem superados ao longo do ano. "Já começo a imaginar um cenário com inflação acima de 6,2% para a acomodação dos impactos do conflito na Ucrânia. Mas ainda não sabemos se pode piorar", alertou.


Carlos Thadeu de Freitas Gomes, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), disse que, recentemente, por conta da valorização do dólar — que chegou a ficar abaixo de R$ 5 —, tinha reduzido as projeções do IPCA no fim deste ano para algo entre 5% e 5,5%. "Fizemos um cálculo preliminar do impacto da guerra sobre os preços das commodities. Deve dar um impulso no IPCA de, pelo menos, 0,50 ponto percentual e voltamos a prever 6% de alta no indicador no fim do ano", disse. Para ele, "a guerra deve acabar logo", mas admitiu que se o conflito se estender, o impacto inflacionário poderá ser bem maior.


 


Diretor de Estratégias Públicas do Grupo Mongeral Aegon (MAG), Arnaldo Lima lembrou que, além de ser uma catástrofe humanitária, o conflito deve "gerar efeitos danosos sobre a economia mundial e a brasileira". "No caso dos alimentos, Rússia e Ucrânia exportam quase um terço do trigo no mundo (28%) e um quinto do milho (18%). Apesar de o Brasil importar a maior parte do trigo da Argentina, ainda assim poderemos sofrer impactos diante de uma interrupção do fornecimento global e da queda nas exportações russas e ucranianas. Até o pãozinho pode ficar mais caro", destacou Lima, que ainda prevê alta de 5,6% para o IPCA deste ano. "Estamos aguardando os desdobramentos para fazermos atualizações", salientou.


Meta pode ser temporária

Diante da disparada das commodities com a guerra na Ucrânia, cresce a certeza de que o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, não conseguirá cumprir a meta de inflação em 2022 pelo segundo ano consecutivo. Por isso, analistas não descartam uma revisão, que poderá ocorrer em junho. Entre as apostas, cresce a da adoção de uma meta temporária, para evitar um tranco maior na atividade por conta dos juros elevados.


Mesmo antes da guerra, as previsões do mercado para o IPCA estavam em 5,60% — acima do teto, de 5%. No ano passado, o índice foi de 10,06%, quase o dobro do limite superior da meta anterior, de 5,25%.


Foi a sexta vez que o BC falhou na condução da política monetária e descumpriu o objetivo desde o início do regime, em 1999. E como o IPCA começou o ano acelerando, a mediana das projeções do mercado para a taxa básica de juros (Selic), atualmente em 10,75% anuais, está em 12,25%. Ainda assim, não consegue pôr o IPCA abaixo do teto da meta. Para conferir a matéria completa, clique AQUI!