Nos últimos meses, a chegada de novas financeiras e bancos digitais no mercado fez o uso dos cartões de crédito disparar. Hoje, já há mais cartões de crédito no Brasil (190,8 milhões) do que de trabalhadores em idade ativa (107,4 milhões). São 16 milhões de brasileiros com mais de três cartões na carteira. E, quanto maior o número de cartões, maior a dívida a pagar no futuro. Para quem tem cinco cartões, o valor das prestações que ainda vão vencer soma em média R$ 12.854. Para quem tem só um cartão, o saldo devedor médio é de R$ 2.768.
Além disso, 73% das compras no Brasil são feitas sem juros — ou à vista, ou no parcelamento sem cobranças adicionais. O problema é que, ao pagar a perder de vista, muitas vezes em diferentes cartões, se as prestações não couberem mais no bolso e o consumidor ficar inadimplente, a dívida vai para o rotativo, modalidade de crédito que é a mais cara do mercado.
Prestações em série
Enquanto o governo busca alternativa para reduzir os juros no rotativo — hoje em 445% ao ano — parte das empresas que atuam no setor defende criar uma limitação para o parcelamento sem juros. O argumento é que essa “jabuticaba” brasileira, de prestações sem cobrança extra, leva os bancos a cobrarem mais no rotativo, em uma espécie de subsídio cruzado.
— O mercado não vive sem o parcelado sem juros. O problema é que, por competição, foram aumentando os prazos oferecidos, o que levou a uma disfunção — afirma Jorge Gonçalves Filho, presidente do Instituto para Desenvolvimento do Varejo.
Ele ressalta que os lojistas aceitam pagar as tarifas cobradas pelos intermediários dos cartões de crédito, que costumam ser maiores nas compras parceladas, para manter as vendas nessa modalidade e garantir seu fluxo de caixa.
Dados do Banco Central do Brasil (BC) mostram que 15,7% das vendas no cartão são em sete ou mais prestações.
A dona de casa Raquel Antunes, de 52 anos, compra quase tudo de forma parcelada no cartão de crédito. Só ficam de fora as compras do mercado. As últimas aquisições foram uma churrasqueira elétrica, em dez parcelas de R$ 70, além de uma caixinha de som e uma assistente virtual, em seis parcelas de R$ 115.
Ela afirma que a estratégia visa acumular milhas para viajar, mas confessa que costuma realizar compras por impulso ao ver que “as parcelas cabem no bolso”. O hábito vem de longa data. Antes do cartão, costumava acumular carnês de loja.
— Se passarem a cobrar juros, vou ter que me adaptar e passar a comprar à vista. Se não conseguir, vou ter que abrir mão do consumo — diz.
O uso do cartão de crédito cresceu com força no Brasil nos últimos anos. E este avanço foi puxado por fintechs e bancos digitais. Estudo feito pelo BC constatou que, entre junho de 2019 e junho de 2022, o saldo devedor em cartões desse tipo de instituição saltou de R$ 14,3 bilhões para R$ 74,1 bilhões, ou seja, crescimento de 292,3%. No total, as dívidas em cartão de crédito de todas as modalidades aumentaram em 79% no período.
Um grupo de trabalho formado por bancos, bandeiras de cartão de crédito, adquirentes (as maquininhas de débito e crédito) e representantes do varejo, além de instituições como Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) e BC, está discutindo alternativas para reduzir os juros no rotativo do cartão de crédito. E uma das propostas é justamente limitar a modalidade de parcelamento sem juros.
O grupo pretende chegar a um consenso até o fim do ano. Em paralelo, um projeto no Congresso visa regular os juros no rotativo.
Por Agência O Globo | Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil