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segunda-feira, 27 de maio de 2024

Neíse e José Nivaldo – Centenário será lembrado segunda (27) na Academia Pernambucana de Letras

Dr. José Nivaldo e Dra. Neíse viveram mais
de 60 anos em Surubim
(Foto: Reprodução/ Arquivo pessoal)
Do jornal O Poder

Por Sérgio Gondim

A Academia Pernambucana de Letras prestará uma homenagem ao meu pai na próxima segunda feira, ocasião em que será lançado um concurso com o prêmio José Nivaldo de literatura, um estímulo aos novos autores.

Em nome da mãe

Começo falando de minha mãe, até porque não tem como homenageá-lo sem homenageá-la. Sou fruto de um casamento improvável: um matuto do Cedro, distrito de Limoeiro, com uma filha da elite Cearense que ao apresentar o namorado à família, em Fortaleza, o descrevera como príncipe encantado, um promissor estudante de medicina, seu colega de turma na UFPE. Quando papai desembarcou, foi uma decepção. Desceu de uma carona em um caminhão, todo empoeirado, com um paletó completamente fora de moda e tão apertado que provocava uma certa insuficiência respiratória. Mesmo assim, contra todos, ela seguiu apaixonada e acreditou na proposta de passar alguns meses em Surubim, antes de voltar para a universidade. Deu no que deu, foram mais de 60 anos e sete filhos.

Exemplo

Muita gente imagina que eu cursei medicina influenciado pelo meu pai que pesquisava, publicava artigos científicos, participava ativamente de congressos, se destacava na literatura, no aprimoramento genético da pecuária, no combate à fome e ao subdesenvolvimento do nordeste, mas escolhi cursar medicina motivado por ela.

Quando eu era muito pequeno, ela chefiava um posto de puericultura no serviço público e algumas vezes a acompanhava no trabalho. Em certa ocasião estava programada uma campanha de vacinação, mas ao chegar no posto constatou que a secretaria de saúde não havia enviado o lote de vacinas. A minha mãe era a pessoa mais calma desse mundo. Virou uma fera, indignada. Comprou um isopor e embarcou para secretaria como uma “capota choca”. Lembro de uma frase: “só saio daqui com as vacinas para os meus meninos”.E conseguiu.

A vacinação estava por começar quando, me sentindo um dos seus meninos, entrei na fila. Ao perceber, discretamente e em silencio como era o seu jeito, ela me retirou e explicou que as vacinas não seriam suficientes para todas as crianças, muitas não teriam como tomar e não teriam condições de procurar atendimento em outras cidades. Eu sim.

Na hora me senti como se não fosse uma de suas crianças e, só muitos anos depois, me dei conta de como aquela fúria pelas vacinas e o cuidado com quem mais precisa foram decisivos para as minhas escolhas na vida.
Viva Dra. Neise!

Em nome do pai

Já o Dr. José Nivaldo, em muitos aspectos estava à frente do seu tempo, em outros era conservador demais. Muito observador do mundo ao seu redor, fonte de inspiração para seus romances, mas muito distraído para outros detalhes. Certa vez me chamou para acompanhá-lo à exposição de animais no Crato, Ceará. E mais: pediu para que eu fosse dirigindo. Era um Chevrolet Veraneio, um carrão para quem até então só havia feito alguns treinos em um Jeep velho. Mas fomos. Às vezes me pedia para acelerar, alegando que a pista estava livre. Chegamos vivos. Eu que nunca havia dirigido à noite e na verdade nunca havia cortado luz, só depois tomei conhecimento de um botão no piso do carro onde na época se cortava a luz, diferente do sensor atual que muda para luz baixa de forma automática. Esse recurso teria sido muito útil, pois não sei quantos encandeei de Surubim ao Crato.

Encantado pela novidade e o prazer de dirigir, optei por ficar circulando na cidade, até que a polícia me deu ordem para parar. Acelerei em fuga na direção do parque de exposições onde abandonei o carro de portas abertas e sai correndo. A polícia encostou. Papai foi chamado e reclamou de mim: Seu Sérgio, por que voce não mostrou os documentos? Porque não tenho, pai. Só tenho 15 anos. Eita, então quem tem carteira de motorista é Ricardo (irmão mais velho), exclamou sem culpa dirigindo-se aos policiais. Ninguém foi preso, só pagou a multa, uma forma de não desmoralizar totalmente a força policial diante de tantos pedidos dos organizadores, em atenção ao expositor convidado.

Sublime inspiração

Durante os anos da doença de minha mãe, costumava passar fins de semana com eles. Ele me pedia para comentar e criticar o que escrevera durante a semana. A crítica era impiedosa para no final brindarmos com um cálice de vinho, mas em certa ocasião ele se chateou e disse: voce só sabe criticar! Vamos inverter. Voce escreve e eu critico. Assim fizemos e o pau cantou em torno do meu texto, até que finalmente ele disse: agora está redondo, publique. Como publicar? Aquela ordem, no tom daquelas que eu quase sempre obedeci ao longo da vida, era difícil de cumprir, mas graças a Fátima Quintas, sensível à minha agonia e usando do seu prestígio, o texto foi publicado no JC.

Em obediência ao meu pai, até hoje envio artigos que têm sido publicados no Jornal do Comércio de 15 em 15 dias, mas sinto uma falta danada dele, para criticar, orientar, dizer se o texto está ou não redondo e, ao final, brindar com um cálice de vinho.
Viva José Nivaldo !

Serviço

Sessão regular na Academia Pernambucana de Letras.
Quando: Segunda-feira, 27/05.
Onde: Sede da APL – Avenida Rui Barbosa, Graças- Recife – PE. Estacionamento gratuito entrada pela AV Malaquias, logo após a AABB.
Hora: 15h.
Entrada: Franqueada ao público.

NR – Artigo publicado no JC de hoje, 24/05/24. Adaptado ao padrão editorial de O Poder.



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