Do Correio do Agreste
Amaro Filho*
O piano centenário de Lourenço da Fonseca Barbosa, o Capiba, foi, sem dúvida, seu maior parceiro na criação de mais de trezentas composições. Amigos, músicos e compositores que visitavam sua casa, na Rua Barão de Itamaracá, no Espinheiro – Recife, eram recebidos ao som do seu piano alemão C. Bechstein. Capiba não era apenas um mestre do frevo – sua genialidade transitava por diversos gêneros musicais.
Nos últimos quatro anos, temos nos dedicado à imersão no acervo de Capiba, localizado em Surubim, Agreste pernambucano, sob a guarda de Dona Zezita Barbosa, sua viúva e guardiã desse valioso legado artístico. Entre milhares de partituras, fitas de rolo, e fotografias, encontramos registros de grandes nomes da música, como Jair Rodrigues, Elis Regina, Nelson Gonçalves, Clara Nunes, Paulo César Pinheiro, Vinicius de Moraes, Carmélia Alves, Ariano Suassuna, Claudionor Germano, entre outros, além de políticos que frequentavam sua casa.
Junto ao musicólogo Lucas Guerra, recebemos de Dona Zezita a missão oficial de salvaguardar esse acervo. Assim, criamos o projeto Capiba – Preservação e Difusão, com o objetivo de proteger e divulgar a obra de um dos maiores compositores da música brasileira. Em parceria com a produtora Página 21 e a Associação Cultural Capiba, iniciamos a conservação de 930 páginas de partituras originais, totalizando 130 obras que incluem sambas, choros, frevos, cirandas, foxtrotes, maracatus e música erudita. O acervo também contém poemas musicados por Capiba, de autores como Manuel Bandeira, Castro Alves, Ascenso Ferreira e Esther Sterenberg… Parte desse material já está sendo disponibilizado no site projetocapiba.com.br.
As ações de preservação do acervo se intensificaram a partir de outubro de 2024, logo após o aniversário de 93 anos de Zezita Barbosa. Durante a celebração, ela e sua sobrinha Rosa Morena nos confiaram oficialmente a gestão do acervo. Diante dessa responsabilidade, não hesitamos em aceitar o desafio. Desde então, temos buscado apoio de parceiros, empresas, instituições e órgãos públicos para viabilizar a preservação do material. Entre as ações emergenciais, destacam-se a troca dos envelopes onde estão contidas as partituras, a imunização dos móveis e manutenção do piano, a catalogação de documentos e a organização e pesquisa na vasta hemeroteca de Capiba.
Para avançarmos nesse trabalho minucioso, contamos com a colaboração de especialistas como o jornalista José Teles, que está escrevendo a biografia de Capiba, e as restauradoras Débora Mendes e Vânia Cândido, que nos prestam consultoria na conservação do acervo.
Nos próximos cinco anos, diversas iniciativas serão realizadas para celebrar e difundir o legado do compositor. Em 2025, o projeto Capiba 120 Anos – Preservação e Difusão ganhará destaque com uma megaexposição fotográfica no Museu do Estado de Pernambuco, baseada em 2.700 imagens que estão sendo digitalizadas com o apoio da Cepe – Companhia Editora de Pernambuco. Capiba foi o homenageado do Carnaval de 2025, pelo Governo do Estado de Pernambuco.
Quanto ao piano de Capiba, conseguimos transportá-lo de Surubim para Recife, onde passa por manutenção especializada sob os cuidados de Chico do Piano, que, por coincidência, já havia trabalhado com o instrumento décadas atrás, quando este estava na lendária Casa do Piano. Capiba costumava deixar seu piano nesse espaço, onde, além de ajustes técnicos, também fazia pequenos concertos informais para amigos. Chico nos revelou que testemunhou várias dessas apresentações.
Agora, o piano passará 45 dias em restauração para garantir sua preservação e pleno funcionamento, antes de retornar a Surubim, onde seguirá encantando gerações por mais algumas décadas.
* Gestor do Acervo de Capiba. Diretor de Comunicação da Associação Cultural Capiba
(Artigo publicado no Diario de Pernambuco em 11/03/2025)
Veja mais informações sobre a restauração do piano, nesta reportagem da TV Globo Nordeste. Para assistir, clique aqui.
